Herman Hoeksema
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
Tudo o que temos dito acima não significa que devemos rejeitar a idéia inteira de um conselho de paz ou de um pacto das três pessoas da santa Trindade. Contudo, tal pacto não pode ser deduzido das passagens da Escritura que acabamos de discutir. É claro que aqueles que vêem nessas passagens um pacto entre o Pai e o Filho falham em fazer uma distinção entre Cristo como o Filho eterno em sua natureza humana sendo o servo do Senhor, e o mesmo Cristo como o Filho eterno de Deus em sua natureza divina. Uma conclusão simplória é extraída a partir da relação de Cristo para com o Deus triúno como o servo do Senhor para a relação econômica eterna entre o Pai e o Filho. O resultado é que um conceito errôneo é formado sobre o conselho de paz e nenhum lugar é encontrado no pactum salutis para a terceira pessoa da santa Trindade.
Até aqui, temos visto que geralmente a idéia do pacto é encontrada numa certa parte ou num acordo voluntariamente concluído entre duas ou mais partes. Kuyper acha a necessidade para a conclusão de tal pacto na circunstância que nenhum poder maior existe acima do pacto. Ele escreve:
A partir disso, qualquer um pode ver que a conclusão de um pacto é concebível somente quando não existe nenhum poder maior que possa compelir a execução da justiça.
Nesse caso originaria, sem a conclusão de um pacto, uma completa ausência de ordem, segurança e bem-estar social. Haveria apenas um direito, o direito do mais forte. Todo o mundo viveria por sua espada. Roubo e assassinato se tornariam geral.
Para impedir esse terrível mal mútuo, os pactos são concluídos. Isso implica que certo direito estabelecido é introduzido, um direito que é baseado sobre a honra da palavra e da fidelidade do caráter do homem; e isso de forma que os homens encontrem um meio de criar descanso e segurança ao redor deles, aqueles que são bem intencionados a partir de um senso de dever, outros que são perversos a partir de um senso de necessidade.
Mas tão logo chega a um fim essa condição corrupta, ou tão logo um governo regular é introduzido, a lei da nação é válida, e o transgressor é punido, a conclusão de um pacto não é mais necessária. Por que seria necessário instituir certa regra de justiça quando já existe um poder de justiça acima de nós que guarda a nossa segurança?
O que apresentamos a partir do início permanece verdadeiro, portanto: sempre que existe outro poder acima daqueles que vivem juntos, não há necessidade de um pacto. Mas por outro lado, quando não há outro poder acima deles, a conclusão de um pacto é necessária. E um pacto é a única base sobre a qual a sociedade pode agir, a forma de vida que deve necessariamente ser instituída.
A partir disso, Kuyper explica adicionalmente a conclusão do pacto entre as três pessoas da santa Trindade:
E porque o Pai, o Filho, e o Espírito Santo são iguais entre si, e porque é inconcebível que haja alguém acima dos três, segue-se que a relação fundamentadora entre essas três pessoas no ser divino deve residir na mútua comunicação, na disposição voluntária, na igualdade de ser, e deve tomar a forma e caráter de um pacto.
Assim, a idéia de um contrato voluntário é aplicada à vida pactual no Deus triúno.
Vimos ainda que o pacto, no que concerne à sua idéia, era considerado como um meio para certo fim, um caminho para certo destino, no caso do pacto de Deus com o homem como um meio para a salvação dos eleitos. O pacto em si não é o fim; ele mesmo não é o estado mais alto de bem-aventurança. É o caminho por meio do qual a salvação dos eleitos foi estabelecida. Por conseguinte, o pacto de redenção ou conselho de paz tem sido apresentado como um acordo entre Pai e Filho ou entre as três pessoas na santa Trindade para salvar os eleitos.
Em íntima ligação com essa apresentação, é razoável afirmar que o pactum salutis tem sido considerado como seguindo logicamente após o conselho da predestinação. Os eleitos já estão ali, de acordo com o conselho de Deus. O pactum salutis é o acordo de redimir e salvar os eleitos. O conselho de predestinação, o decreto concernente à criação e queda – quer a ordem nesses decretos seja a infra ou a supralapsariana – precede o pacto da redenção.
Finalmente, vimos que os textos sobre os quais essa apresentação do pactum salutis é baseada não são aplicáveis a um pacto entre as três pessoas da santa Trindade, mas referem-se sem exceção ao pacto entre o Deus triúno e o seu servo, Cristo em sua natureza humana, permanecendo como o cabeça dos eleitos.
Fonte: Reformed Dogmatics, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, vol. 1, pp. 451-453.