Herman Hanko
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1
Embora reavivamentos fossem relativamente comuns nas Ilhas Britânicas há uns cem anos atrás, a América pode se orgulhar de apenas dois grandes reavivamentos. O primeiro, chamado de "O Grande Despertamento," aconteceu na Nova Inglaterra durante o ministério de Jonathan Edwards e por meio da pregação de George Whitefield. O segundo, chamado de "O Segundo Grande Despertamento," foi promovido por Charles Grandison Finney e aconteceu principalmente em Ohio, no oeste de Nova York e no oeste da Pensilvânia.
Charles Finney viveu no século dezenove. Viveu de 1792 a 1875. Ele é considerado o pai do reavivalismo evangélico moderno, e suas crenças e métodos ainda regulam muito da pregação reavivalista em nossos dias.
Finney nasceu e cresceu como Presbiteriano, mas nunca se sentiu confortável dentro dessa denominação fortemente Calvinista. Embora tenha sido um ministro na Igreja Presbiteriana durante muitos dos anos de sua obra reavivalista, ele deixou essa igreja durante os seus labores na cidade de Nova York e se uniu aos Congregacionalistas. Uma das características mais interessantes e significativas de sua obra foi o fato que, apesar de ser um arquiinimigo do Calvinismo, ele trabalhou dentro da igreja Presbiteriana sem ser expulso por sua heresia.
Nesse artigo2 pretendo explorar a razão dessa aparente anomalia e descrever a posição doutrinária e as visões reavivalistas de Finney.
A Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos era a única representante forte na América do Presbiterianismo Calvinista. Ela foi estabelecida na América por volta de 1611, muito antes da Guerra Revolucionária, e alguns Presbiterianos estavam ativos na luta pela independência da Grã Bretanha. Ela era, no geral, fortemente Calvinista, e fiel às Confissões de Westminster após adotá-las em 1647. O Seminário de Princeton, fundado em 1812, se tornou a cidadela do Presbiterianismo Calvinista sob a liderança de Charles Hodge e Samuel Miller.
O Presbiterianismo, contudo, foi seriamente dividido, começando na década de 1740, quando Gilbert Tennant começou o que se tornou conhecido como a "Ala Nova do Presbiterianismo." Por muitas décadas travou-se uma luta dentro do Presbiterianismo entre os Presbiterianos da "Ala Nova" e da "Ala Velha." Os homens da "Ala Velha" estavam fortemente comprometidos com as confissões da igreja, ensinavam e lutavam por um Calvinismo consistente, e enfatizavam o conhecimento da verdade como essencial para a vida cristã. O Presbiterianismo da Ala Nova, por outro lado, estava pouco comprometido com os credos, tendia a ser bem mais ecumênico em seu pensamento, e queria colocar a ênfase na vida eclesiástica, não em congregações locais, mas em esforços evangelísticos. A divisão foi tão rígida e profunda que no final produziu uma divisão dentro da denominação em 1837, uma divisão que foi curada nos últimos anos com grande custo para a integridade doutrinária do Presbiterianismo Americano.
Finney, em sua obra evangelística, foi influenciado por muitos fatores. Entre os mais importantes estavam os labores evangelísticos de John Wesley – com sua ênfase numa santidade pós-conversão – a quem lia avidamente, Jonathan Edwards, mas reformulando o seu Calvinismo, e o Presbiterianismo da Nova Escola (como a "Ala Nova" era às vezes chamada). Na realidade, Finney permaneceu na Igreja Presbiteriana por tanto tempo porque queria lutar com os membros da igreja da "Ala Velha."
Os Presbiterianos da Nova Escola prontamente abraçaram Finney e seus labores evangelísticos, mas os da Ala Velha se opuseram a ele. Esses ataques vieram principalmente de Princeton, e alguns testes de heresia foram realizados envolvendo seguidores de Finney; mas em todo o caso, os Finneyitas foram absolvidos. O Presbiterianismo simplesmente não podia reunir força espiritual para condenar Finney e o Finneyismo. Isso foi um comentário sobre a denominação.
Logo após a sua conversão, Finney abandonou as doutrinas do pecado original e da expiação limitada. Ele as considerava barreiras à obra evangelística e irracionais em todo o caso. Mas uma vez tendo se comprometido a uma posição Pelagiana, ele não pôde parar ali. Num debate com um Universalista, Finney adotou a Teoria Governamental da expiação de nosso Senhor. Essa teoria, primeiro proposta pelos Arminianos na Holanda no final do século dezesseis, ensinava que a morte de Cristo não foi uma morte vicária ou substitutiva, nem uma morte propiciatória, mas simplesmente um exemplo do que Deus poderia ter feito conosco se tivesse escolhido ser estritamente justo. Mas agora Deus abdica de sua justiça por causa de sua misericórdia, e diz aos pecadores que, embora pudesse fazer com eles o que fez com Cristo, ele não os punirá se aceitaram a Cristo como seu Salvador.
Tal visão da expiação, uma que destrói totalmente a expiação, é uma conseqüência necessária de se manter que Cristo morreu por todos os homens individualmente, embora nem todos sejam salvos. E ela se encaixa com a posição Arminiana do livre-arbítrio, pois faz a salvação depender da escolha do homem de aceitar a Cristo. O Arminianismo de Finney foi refletido em sua pregação. Dois de seus temas favoritos em seus sermões eram: "Os Pecadores são Obrigados a Mudar o seu Coração" e "Como Mudar o seu Coração."
Não devemos concluir a partir de tudo isso que Finney era vitalmente interessado em doutrina. Ele era um ardente ecumenista – como todos os defensores de reavivalismo devem ser. Em seu frenesi ecumênico, Finney era doutrinariamente indiferente. Ele não se importava sobre diferenças de doutrina entre igrejas, e não tinha interesse em estudar e desenvolver doutrinas – embora fosse professor de teologia no Oberlin College.
O problema de Finney com os apóstatas (aqueles que se convertiam em reavivamentos, mas eram infiéis e retornavam aos seus antigos caminhos ímpios) e certa literatura perfeccionista, especialmente de John Wesley, o levou a abraçar a idéia que um pecador convertido pode render obediência perfeita à lei de Deus. Isso estava em harmonia com sua negação do pecado original. Fynney, ao manter o Pelagianismo com o passar dos anos, negou que o pecado estava na natureza, insistindo que estava limitado às ações das pessoas. Por conseguinte, a "santificação completa" é uma questão da atividade de uma pessoa, não de sua natureza. A santificação completa não implica qualquer mudança nos poderes de uma pessoa, boa desce o começo. Somente o uso correto desses poderes é requerido e pode ser alcançado. Essa é uma visão superficial do pecado, que produz a mentira sobre o que todo crente conhece muito bem: que ele é por natureza propenso a odiar a Deus e o seu próximo. Finney admitiu que um homem pode cometer enganos, e nem sempre se sentir em paz, embora tenha alcançado a perfeição. Mesmo os Presbiterianos da Nova Escola rejeitaram o perfeccionismo de Finney.
O reavivalismo de Finney é inerentemente místico. Finney alegava ter revelações diretas de Deus, e ser guiado no que fazia e pra onde ia por vozes ou sentimentos internos que lhe revelavam a vontade de Deus. Quando enfrentou oposição, se trancou no quarto para orar, e escreveu que em oração encontrou a Deus como Moisés o fez no Sinai. "O Senhor me mostrou como numa visão o que eu experimentaria. Ele se aproximou tanto de mim … que minha carne literalmente tremeu nos meus ossos. Tremi da cabeça aos pés, como um homem com malária."
Robert Evans, a figura principal nos reavivamentos galeses de 1904-1905, também alegava ter conversações ocasionais com Deus num período de três ou quatro meses. Ele descreve a primeira de tais conversas numa carta a um amigo, na qual fala de ser despertado por Deus, visitando com Deus por três ou quatro horas, e desfrutando de uma conversação face a face. Isso a despeito do fato que João diz em seu evangelho que "ninguém jamais viu a Deus."
Finney também falou de um batismo posterior do Espírito após a conversão, e assim, pavimentou a estrada para o Pentecostalismo moderno.
Finney estava profundamente envolvido em melhorias sociais. Cedo em sua obra em várias partes de Nova York, ele adotou o que pode ser chamado apenas de um Calvinismo modificado evangelístico e de reforma social. Ele estabeleceu sociedades de missões, freqüentemente compostas de mulheres que o sustentavam e ajudavam em sua obra. Na realidade, uma sociedade feminina de missões foi estabelecida a oeste do estado de Nova York, que comissionou Finney para pregar e o sustentou financeiramente. Finney encorajava as mulheres a se ocuparem em missões e participar tão plenamente na obra que poderiam pregar.
Finney também estava ocupado no trabalho de abstinência, e se uniu ao movimento de abstinência em todo esforço para libertar o país dos males da bebedeira.
À medida que a Guerra Civil se aproximou, Finney começou uma cruzada abolicionista e se envolveu profundamente nos esforços de assegurar a liberdade dos escravos. Tão fortemente ele pregava contra a abolição em sua igreja em Nova York, que durante sua ausência enquanto no Mar Mediterrâneo para se recuperar, sua igreja foi o cenário de terríveis tumultos entre abolicionistas e cidadãos pró-escravidão da cidade de Nova York.
Finney é notado acima de tudo por seus reavivamentos. Sua reputação como um professor e pregador extraordinário é fortificada por seu sucesso como um reavivalista. Proponentes do reavivalismo, apoiando seus ensinos reavivalistas, estão prontos a ignorar suas aberrações doutrinárias, sua pobre preparação para a pregação, sua oposição ao Calvinismo, e seu desdém pela igreja estabelecida.
Totalmente à parte da questão da condenação bíblica do reavivalismo, uma crítica que pretendemos desenvolver no próximo artigo, as visões de Finney sobre reavivamento eram tão contrárias à Escritura que nos perguntamos como alguém com algum entendimento da Escritura pode aprovar a obra de Finney.
Finney publicou em 1835 suas Lectures on Revivals of Religion (Palestras sobre Reavivamentos da Religião). Ele se orgulha em suas Memórias que o livro alcançou grandes vendas. Num livro sobre Charles Finney, Charles E. Hambrick-Stowe escreve:
Ele [Finney] se regozija nas Memórias que o livro deu certo na América (12.000 cópias vendidas imediatamente), passou por diversas edições na Inglaterra (centenas de milhares de cópias foram impressas em meados de 1840), e rapidamente alcançou distribuição mundial. A tradução galesa produziu um reavivamento notável em Gales, e logo foi traduzido para o francês também …
Em seu livro Lectures on Revivals, Charles Finney argumenta provocativamente que assim como a "religião é a obra do homem" e "consiste em obedecer a Deus," assim também um reavivamento da religião é uma atividade essencialmente humana. Contrário à visão tradicional de Jonathan Edwards que o via como uma "obra surpreendente de Deus" que não poderia ser predita ou precipitada, Finney sempre creu que um reavivamento era o "resultado puramente psicológico do uso correto de meios constituídos." Em outras palavras, se um pregador entregar a mensagem correta do evangelho, extemporaneamente e com entusiasmo apropriado, e se a obra for acompanhada de oração fiel, um reavivamento pode ser esperado. "Um reavivamento da religião não é um milagre," ele escreveu, numa das sentenças mais controversas na história religiosa da América; "não é algo acima dos poderes da natureza," mas resulta "do exercício correto dos poderes da natureza." A Velha Escola e mesmo críticos Presbiterianos moderados teria um dia de guerra com isso, mas Finney não se importava com a opinião deles. Em sua visão, ele estava simplesmente atualizando a antiga doutrina dos "meios de graça" com "novas medidas" eficazes e continuando o espírito (se não a carta) do exemplo de Jonathan Edwards, como suas longas citações de Edwards sugerem.
Finney era da opinião que ele sozinho era capaz de trazer reavivamentos. Pensava que sozinho sabia como fazer isso, mediante qual ostentação excluiu totalmente o Espírito Santo ou se considerava um agente muito especial dele.
Em todo o caso, é evidente que a obra inteira de Finney era fatalmente defeituosa por seus abandonos dos ensinos da Sagrada Escritura.
Prof. Hanko é professor emérito de História da Igreja e de Novo Testamento no Protestant Reformed Seminary.
Fonte: Standard Bearer, vol. 82, Issue 5.
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