Herman Hanko
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1
A obra de Charles Finney pode se criticada por muitas razões. Ele era totalmente Pelagiano em sua teologia, não porque era ignorante da fé Reformada, mas porque, embora tenha sido ensinado nela como um jovem e adulto, deliberadamente a abandonou. Ele era um tipo de evangelista auto-comissionado e um pregador itinerante que fazia as coisas do seu jeito, sem prestar contas ou ser responsável a alguém que não ele mesmo. Ele também era, e preeminentemente, um reavivalista, e seu reavivalismo era anti-bíblico em todos os aspectos. Essa última afirmação tem necessidade especial de ser enfatizada, pois o reavivalismo é hoje um elemento primário no pensamento evangelístico e mesmo Reformado. Muitos vêem a única solução para as desgraças da igreja como sendo um reavivamento. Muitos, portanto, esperam confiantemente que ele virá, e oram fervorosamente por isso. Eles oram contra a vontade de Deus, que não trabalha em sua igreja dessa forma.
No último artigo2 critiquei o reavivalismo por várias razões. Esperei até minha crítica final para lidar com o que considero a objeção mais importante de todas. Refiro-me ao fato que o reavivalismo não tem e não pode ter nenhuma concepção apropriada do pacto da graça. Essa acusação é verdadeira especialmente por duas razões. Ele não tem nenhuma concepção bíblica do lugar das crianças no pacto, e conseqüentemente, tem uma visão errônea da conversão; e carece de uma concepção apropriada e bíblica de como Deus opera a salvação organicamente na linha do pacto. Devo dizer algo sobre as duas coisas.
O reavivalismo não tem nenhum conceito bíblico do lugar das crianças no pacto. O ensino da Escritura e das confissões Reformadas é que crianças, bem como adultos, pertencem ao pacto da graça. Isso não significa apenas que crianças de pais crentes nascem exteriormente no pacto e recebem exteriormente os privilégios do pacto. Que crianças bem como adultos pertencem ao pacto de Deus significa que os filhos eleitos de pais crentes então num relacionamento de amizade com Deus e o seu povo, que é a essência da salvação. Deus salva crianças! Embora essa seja a visão Reformada do pacto, muitos não sustentam tal concepção. Eles insistem que os filhos de pais crentes, embora possam pertencer ao pacto exteriormente, não estão verdadeira e internamente no pacto até que se convertam, ou, como alguns dizem, até que aceitem as provisões do pacto. Especialmente na pregação reavivalista, a conversão é uma condição que é requerida para a salvação. Se os reavivalistas falam de um pacto de alguma forma (Finney não o fazia), eles enfatizam que a conversão é necessária para entrar no pacto da graça de Deus.
Essa visão leva a uma atitude muito triste que as pessoas tomam para com as crianças. Talvez uma experiência pessoal ressalte esse ponto. Em nosso trabalho nas Ilhas Britânicas nos deparamos com um fenômeno estranho em conexão com pessoas que estavam preocupadas sobre a obra de salvação. Pessoas estavam constantemente perguntando se seus filhos, conhecidos ou amigos membros na igreja eram convertidos ou não. E, se fossem considerados convertidos, o tempo e lugar e as circunstâncias de sua conversão poderia prontamente ser descrita. Além disso, quanto mais interessante fosse a "história de conversão," mais provavelmente a conversão era genuína. Isso é especialmente triste na atitude que pais tomam para com seus filhos. Eles procuram avidamente sinais de conversão em seus filhos à medida que crescem, e lidam com eles como não-convertidos até que tais sinais apareçam, freqüentemente apenas após seus filhos casarem e terem suas próprias famílias. Crianças e jovens, cientes que seus pais os consideram não-convertidos, começam a se considerarem como tal, e muitos concluem que, visto que não são convertidos, podem muito bem viver dessa forma.
Essa obsessão por caracterizar as pessoas como convertidas ou não nos chocou como algo muito estranho. Mas logo se tornou evidente que toda essa tendência de julgar as pessoas quando não devemos fazê-lo,3 surgiu de uma visão errônea do pacto e da forma como Deus opera a conversão.
A maioria das pessoas não era convertida, quer na igreja ou fora dela. As igrejas eram mortas principalmente porque eram cheias de pessoas, oficiais e até mesmo ministros não-convertidos. Tal estado de não-conversão dentro das igrejas persiste e aparentemente piora. Reavivamento é a única coisa que pode trazer uma mudança. Quando o reavivamento vem, juntamente com ele vêm as conversões em massa. Centenas e milhares são trazidos sob a convicção do pecado e introduzidos à felicidade que o perdão pode trazer. O processo todo, produzido pelos reavivalistas, é acompanhado por reuniões em massa, pregação emocional, e os comportamentos mais estranhos que se possa imaginar. O comportamento estranho e errôneo é considerado como indicativo de verdadeira conversão, embora, mesmo então, experts no que constitui a verdadeira conversão são algumas vezes solicitados a julgar se as experiências de uma pessoa são genuínas ou não, pois é levado em conta o possível engano do diabo, que adora dar às pessoas um falso sentido de ser convertido, pois esse é o caminho mais certo para o inferno.
Adicione a toda essa mistura o evangelho Arminiano de Finney, juntamente com o seu banco dos ansiosos, e você terá uma situação onde a verdadeira conversão é a obra do homem, produzida por reavivalistas que enfatizam as reivindicações do evangelho e demandam uma decisão imediata, mas que lhe asseguram que a decisão final deve ser feita por você.
Quão mais glorificante a Deus é a forma como o Espírito Santo salva. Sem contestar o fato que conversões súbitas e notáveis podem acontecer no campo missionário, especialmente naqueles campos estrangeiros onde o evangelho nunca foi pregado, insistimos que, mesmo no campo missionário, o Espírito Santo como o Espírito de Cristo salva ordinariamente os crentes e sua semente. Ele salva casas, e não indivíduos. Ele traz à comunhão da igreja famílias do pacto, não almas solitárias.
E quando, dentro do pacto, o Espírito Santo opera conversão, ele o faz nas crianças eleitas de crentes em sua infância, ou mesmo antes do nascimento (Jeremias 1:5). E quando o Espírito Santo opera a conversão, ele o faz de uma forma que é quieta e tudo menos imperceptível no coração do pecador eleito, e continua por toda a sua vida. Ele opera, não mediante terremotos, fortes ventos, fogo de reavivamentos, mas mediante a voz mansa e suave (1 Reis 19:9-18) de poder irresistível de seu Espírito transformando o coração e a mente. Ele opera na vida do crente eleito, de forma que diariamente o crente é trazido à consciência de pecado, corre para a cruz, e encontra paz no sangue de seu Salvador. Ele opera de forma que o crente luta diariamente com o pecado dentro e fora dele, e encontra força para a batalha na cruz. Ele opera como uma samambaia que vi certa vez, a espora da qual foi enterrada debaixo de uma estrada de asfalto, mas que, lentamente, sem crescimento mensurável diário, despercebida e sem atração, foi no entanto capaz de forçar seu caminho por meio de duas polegadas de asfalto.
Essa foi a lição que Elias teve que aprender. Ele pensava que o reavivamento tinha vindo sobre o Monte Carmelo quando todo o povo clamou: "Só o Senhor é Deus." Mas descobriu que uma vez que o reavivamento do Carmelo terminou, Israel retornou, como os conversos frequentemente fazem após o reavivamento, ao seu estilo de vida pecaminoso. Ele teve que aprender que fogo, trovões, terremotos e vento não realizam o propósito de Deus. A voz mansa e suave do Espírito Santo reserva para Deus sete mil que recusam dobrar o joelho diante de Baal.
Como é o propósito de Deus salvar na linha de gerações, e assim cumprir seu decreto de eleito, assim também é o propósito de Deus cumprir a reprovação na linha de gerações. Deus visita a iniqüidade dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração daqueles que o odeiam. Assim, quando o indivíduo esquece a igreja e volta suas costas ao verdadeiro evangelho, isso se espalha em suas gerações. É verdade que, à medida que as gerações se perdem, Deus salva um remanescente do meio dessas gerações. Muito das missões em lares consiste dessa obra. Mas o tempo vem quando uma igreja (ou uma família dentro da igreja), uma vez tendo se apartado do caminho da verdade, se torna a falsa igreja na qual o sangue da expiação é negado. Assim foi no reino norte de Israel; e assim acontece hoje.
Dessa forma Deus completa sua obra. Ele salva a verdadeira raça humana da eleição eterna. Essa raça humana deve ser e é reunida de todas as nações da terra. Jesus aponta para o fato que um dos sinais de sua segunda vinda é que "este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim" (Mateus 24:14).
O fim vem porque o evangelho, tendo percorrido todas as nações, reúne os eleitos de todas as nações. Mas a obra de Deus é sempre perfeita. Esse mesmo evangelho realiza o seu propósito soberano de endurecimento, e o mundo todo, mediante sua rejeição do evangelho, se torna maduro para o julgamento.
Deus sempre realiza sua obra de forma ordeira. O que é feito na igreja deve ser feito decentemente e com boa ordem, pois Deus faz todas as coisas ordeiramente. O reavivalismo ensina que Deus, mediante derramamentos especiais do Espírito Santo, retorna continuamente a uma igreja morta para trazer reavivamento. Uma igreja morre, o Espírito Santo traz reavivamento; a mesma igreja morre novamente, e o reavivamento chega de novo. E assim prossegue, continuamente sem fim. Não, Deus não opera dessa forma. Ele faz com que o evangelho seja pregado e salva na linha de gerações, crentes e sua semente. Ele endurece na linha de gerações, incrédulos e sua semente. Dessa forma, a igreja é reunida de todas as nações, tribos e línguas, e os ímpios são endurecidos em seu pecado e se tornam maduros para o julgamento.
Mas o poder é sempre a pregação. Nosso Catecismo de Heidelberg torna parte da confissão de nossa igreja a seguinte declaração: "Creio que o Filho de Deus, por seu Espírito e sua Palavra, reúne, protege e conserva para si uma igreja …" (P. & R. 54). Não é de reavivamento que a igreja precisa, mas de pregação. Não é de derramamentos especiais do Espírito com manifestações horríveis de poder. É da pregação pura do evangelho. É de uma pregação cristocêntrica, bíblica, confessional, expositiva e viva da Palavra que a igreja necessita. Quão triste é quando a igreja espera reavivamentos que nunca virão, exceto numa forma que faça violência a tudo o que a Escritura ensina com respeito à forma como Deus salva sua igreja, tudo enquanto a pregação verdadeira morre nas ruas.
Que a igreja incline-se à sua tarefa de pregação. Quando a igreja prega, ela é fiel à sua comissão divina. Então o Espírito Santo operará, mediante a voz mansa e suave do seu poder eficaz, para salvar aqueles ordenados para a vida eterna. E Deus realizará o seu propósito para a glória do seu nome.
Prof. Hanko é professor emérito de História da Igreja e de Novo Testamento no Protestant Reformed Seminary.
Fonte: Standard Bearer, vol. 82, issue 13.
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Veja o anterior aqui: Charles Grandison Finney: Reavivalista (3)3
Ou seja, algumas vezes é necessário e mesmo obrigatório. Veja: Julgar: O Dever do Cristão (Nota do tradutor)Para material Reformado adicional em Português, por favor, clique aqui