Herman Hoeksema
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
As Escrituras ensinam muito claramente que Deus é em si mesmo um Deus pactual. Ele não é um Deus pactual por causa de alguma relação estabelecida com a criatura. A criatura pode participar e provar sua vida de acordo com a medida da criatura, mas não pode enriquecer essa vida. Assim é também com o pacto. Ele é eternamente de Deus. É eternamente perfeito nele. Ele é o Deus pactual em si mesmo. Ele é o Deus do pacto, não de acordo com um decreto ou segundo um acordo ou contrato, mas de acordo com a sua própria natureza e essência divina. Deus é de fato um em essência, mas não é sozinho em si mesmo.
Se nada mais pudesse ser dito além de que Deus é um, ele não seria e não poderia ser o Deus vivo, que é em si mesmo o sempre bendito. Um Deus que é sozinho não conhece e ama a si mesmo, não vive e não é bendito, sendo uma abstração fria e morta. Mas Deus é um em ser e três em pessoa: Pai, Filho e Espírito Santo. Como o Deus triúno, ele é o Deus vivo que vive a vida pactual perfeita em si mesmo.
Primeiro, a idéia da Trindade nos ensina não somente que as três pessoas são essencialmente co-iguais, mas também que elas são essencialmente uma. Não existem três seres divinos perfeitamente co-iguais. Mas Deus é um. Ele é um em ser e natureza, um em intelecto e vontade, um em todos os seus atributos e virtudes essenciais, um em perfeição infinita. Não existem em Deus três seres divinos, naturezas, intelectos, vontades, sabedorias e poderes que são perfeitamente co-iguais. Se esse fosse o caso, seria concebível que o pacto pudesse existir num acordo ou contrato entre essas três pessoas divinas distintas e perfeitamente iguais, que, de acordo com a apresentação de Kuyper, não possuem nenhum poder acima delas e que por essa razão podem determinar sua mútua relação de uma para com a outra por um acordo ou contrato voluntário. Mas esse não é o caso. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são essencialmente co-iguais, pois são essencialmente um. Eles pensam, desejam, agem e vivem somente em e através da única essência divina, na única natureza divina, de eternidade a eternidade inseparável e indivisa.
Segundo, a verdade da Trindade nos ensina que essas três pessoas existindo numa essência divina são, todavia, pessoalmente distintas de forma que cada uma delas subsiste no ser divino em sua própria maneira pessoalmente distinta. Pela unidade essencial existe distinção pessoal. O Pai é eternamente Pai, nunca Filho ou Espírito Santo. O Filho é eternamente Filho, nunca Pai e nunca Espírito Santo. O Espírito é eternamente Espírito, nunca Pai e nunca Filho.
O Pai gera o Filho eternamente; o Filho está sendo gerado pelo Pai eternamente; o Espírito Santo procede eternamente do Pai para o Filho e do Filho para o Pai. O Pai é o Pai do Filho e o gerador do Espírito do Pai. O Filho é o Filho do Pai e o gerador do Espírito do Filho. O Espírito é o Espírito do Pai e do Filho e perscruta as profundezas de Deus.
O Pai é Deus como Pai; ele pensa e deseja; vive e ama como Pai. O Filho é Deus como Filho; ele pensa e deseja; vive e ama como Filho. O Espírito Santo é Deus como Espírito; ele pensa e deseja; vive e ama como Espírito. Em Deus não existe apenas unidade essencial, mas também distinção pessoal, de forma que as pessoas são co-iguais e permanecem em relação inseparável de uma para com as outras por geração e expiração. A Trindade é uma trindade perfeita, uma plenitude de vida divina perfeita.
Nas três pessoas Deus vive perfeitamente. Ele é nas três pessoas o Deus perfeitamente auto-suficiente. Nenhuma quarta pessoa é concebível. Nenhuma das três pessoas pode ser esquecida. O Pai dá eternamente ao Filho ter vida em si mesmo, apresenta esse Filho eternamente a si mesmo como a imagem expressa de sua substância e como o esplendor de sua glória. O Filho permanece eternamente contemplando ao Pai, está no seio do Pai (João 1:18), e é a imagem expressa da plena glória divina do Pai (Hebreus 1:3); o Filho é a Palavra eterna. O Espírito procede eternamente do Pai para o Filho e retorna como o Espírito do Filho para o Pai. O Pai conhece a si mesmo através do Filho no Espírito. O Filho conhece o Pai através de si mesmo no Espírito. O Espírito conhece o Pai através do Filho em si mesmo. Assim, existe uma corrente eterna de amor-vida divina a partir do Pai, através do Filho, e no Espírito Santo retornando ao Pai. Três são os que testemunham no céu, o Pai, o Filho e o Espírito Santo; e esses três são um (1 João 5:7).
Essa vida trinitariana divina é a vida do pacto, pois na esfera eterna da essência divina, as três pessoas da santa Trindade vivem em comunhão inseparável, perfeita e eternamente completa entre si. É a vida de conhecimento eterno e perfeito, de uma participação perfeita na vida do outro, de um entendimento perfeito do outro. Na economia divina não existem segredos. O Pai nunca pensa ou deseja o que o Filho ou o Espírito Santo não pensa ou deseja. É uma vida do mais perfeito amor na qual as três pessoas da santa Trindade eternamente encontram um ao outro e estão eternamente unidas na mais perfeita harmonia divina no laço de união perfeita. Em parte alguma existe separação ou desarmonia na vida divina de amizade. Portanto, Deus é em si mesmo mais que bendito; assim, ele é em si mesmo o auto-suficiente, que não precisa ser servido por mãos de homens, a quem ninguém pode adicionar algo, de quem, através de quem e para quem são todas as coisas, e que faz todas as coisas por causa do seu nome; portanto, ele é também de eternidade a eternidade o Deus pactual em si mesmo, o arquiteto de toda vida pactual. A vida da Trindade divina é uma vida da mais íntima comunhão de amizade.
Fonte: Reformed Dogmatics, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, vol. 1, pp. 455-458.