Arthur W. Pink
"E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo."
Esta é uma passagem, mais do que qualquer outra, a qual é apelada por aqueles que crêem em uma redenção universal, e que à primeira vista parece ensinar que Cristo morreu por toda a raça humana. Decidimos, então, dar a esta passagem uma detalhada examinação e exposição.
"E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo" (1 João 2:2). Esta é uma passagem que, aparentemente, muito favorece a visão Arminiana da Expiação; todavia, se ela for considerada atentamente, será visto que isto é somente na aparência, e não na realidade. Abaixo, ofereceremos um número de provas conclusivas para mostrar que este verso não ensina que Cristo propiciou a Deus em favor de todos os pecados de todos os homens.
Em primeiro lugar, o fato deste verso começar com "e"
necessariamente liga-o com o que vem antes. Nós, portanto, daremos uma
tradução literal de palavra por palavra de 1 João 2:1 das entrelinhas de
Bagster: "Filhinhos meus, estas coisas eu escrevo para vocês, para que
vocês possam não pecar; e se alguém pecar, um Paracleto temos para com o
Pai, Jesus Cristo (o) justo." Poderá ser dessa forma visto que o
apóstolo João está aqui escrevendo para e sobre os santos de Deus. Seu
propósito imediato era duplo: primeiro, para comunicar uma mensagem que
guardasse os filhos de Deus de pecar; segundo, suprir conforto e
segurança para aqueles que pudessem pecar, e, em conseqüência, ficarem
desanimados e atemorizados de forma que o assunto poderia se mostrar
fatal. Ele, então, lhes faz conhecido a provisão que Deus tem feito para
justamente uma tal emergência. Isto encontramos no final do verso 1 e
por todo o verso 2. O fundamento do conforto é duplo: que o abatido e
arrependido crente (1 João 1:9) esteja seguro que, primeiro, ele tem um
"Advogado para com o Pai;" segundo, que este Advogado é "a propiciação
pelos nossos pecados." Ora, somente os crentes podem tomar
conforto disto, porque somente eles têm um "Advogado," porque
somente para eles é Cristo a propiciação, como é provado pela união de
Propiciação ("e") com o "Advogado!"
Em segundo lugar, se outras passagens no Novo Testamento que falam de
"propiciação," forem comparadas com 1 João 2:2, será descoberto que ela
é estritamente limitada em seu escopo. Por exemplo, em Romanos
3:25 nós lemos que Deus apresentou Cristo "como propiciação
pela fé em Seu sangue." Se Cristo é uma propiciação "pela fé,"
então Ele não é uma "propiciação" para aqueles que não têm fé!
Novamente, em Hebreus 2:17 lemos, "Para fazer propiciação pelos pecados
do povo" (Hebreus 2:17, R.V.).
Em terceiro lugar, quem se tem em vista quando João diz, "Ele é a propiciação pelos nossos pecados?" Nós respondemos, os crentes Judeus. E uma parte da prova sobre a qual baseamos esta afirmação nós agora submetemos à cuidadosa atenção do leitor.
Em Gálatas 2:9 somos informados que João, junto com Tiago e Cefas, eram apóstolos "para a circuncisão" (isto é, Israel). Em harmonia com isto, a Epístola de Tiago é endereçada às "doze tribos, que estão dispersas entre as nações" (1:1). Então, a primeira Epístola de Pedro é endereçada aos "eleitos que são peregrinos da Dispersão" (1 Pedro 1:1, R.V.). E João também está escrevendo para Israelitas salvos, mas para Judeus salvos e Gentios salvos.
Algumas evidências de que João está
escrevendo para Judeus salvos são as seguintes.
(a) Na abertura do versículo ele diz de Cristo, "O que nós
vimos com nossos olhos ... e nossas mãos apalparam." Quão
impossível seria para o Apóstolo Paulo ter começado qualquer uma de
suas
epístolas aos santos Gentios com tal linguagem!
(b) "Amados, não vos escrevo mandamento novo, mas um mandamento antigo,
que tendes desde o princípio" (1 João 2:7). O "princípio" aqui se
refere ao começo da manifestação pública de Cristo - em prova compare
1:1; 2:13, etc. Ora, esses crentes, o apóstolo nos conta, tinham
o "mandamento antigo" desde o princípio. Isto foi verdadeiro a
respeito dos crentes Judeus, mas não foi verdadeiro sobre os crentes
Gentios.
(c) "Pais, eu vos escrevo, porque vós tendes conhecido aquele que
é desde o princípio" (2:13). Aqui, novamente, é evidente que são os
crentes Judeus que estão em vista.
(d) "Filhinhos, esta é a última hora; e, conforme vós tendes ouvido
que vem o anticristo, já muitos anticristos se têm levantado; por onde
conhecemos que é a última hora. Eles saíram dentre nós,
mas não eram dos nossos; porque, se fossem dos nossos, teriam
permanecido conosco; mas todos eles saíram para que se manifestasse que
não são dos nossos" (2:18-19). Esses irmãos para quem João escreveu,
tinham "ouvido" do Próprio Cristo que o Anticristo viria (veja
Mateus 24). Os "muitos anticristos" sobre quem João declara "ter saído
dentre nós" foram todos Judeus, porque durante o primeiro
século ninguém senão um Judeu
poderia passar-se pelo Messias. Então, quando João diz: "Ele é a
propiciação pelos nossos pecados" ele somente poderia querer dizer pelos
pecados dos crentes Judeus.1
Em quarto lugar, quando João adiciona, "E não somente pelos nossos, mas
também pelos de todo o mundo," ele anuncia que Cristo foi a
propiciação pelos pecados dos crentes Gentios também, porque,
como previamente mostrado, "o mundo" é um termo contrastado
com Israel. Esta interpretação é inequivocadamente estabelecida por uma
cuidadosa comparação de 1 João 2:2 com João 11:51-52, que é uma passagem
estritamente paralela: "Ora, isso não disse ele por si mesmo; mas, sendo
o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus havia de morrer pela
nação, e não somente pela nação, mas também para congregar num só corpo
os filhos de Deus que estão dispersos." Aqui Caifás, sob inspiração, faz
conhecido por quem Jesus "morreria." Observe agora a
correspondência desta profecia com esta declaração de João:
1 João 2:2 João 11:51, 52 "Ele é a propiciação pelos nossos (os crentes israelitas) pecados." "Ele profetizou que Jesus havia de morrer pela nação." "E não somente pelos nossos." "E não somente pela nação." "Mas também pelos de todos mundo"—Isto é, os crentes Gentios espalhados por toda a terra. "Mas também para congregar num só corpo os filhos de Deus que estão dispersos."
Em quinto lugar, a interpretação acima é confirmada pelo fato que nenhuma outra é consistente ou inteligível. Se o "de todo o mundo" significa toda a raça humana, então a primeira cláusula e o "também" na segunda cláusula são absolutamente sem significado. Se Cristo é a propiciação por cada pessoa, seria uma tautologia ociosa dizer, primeiro, "Ele é a propiciação pelos nossos pecados e também pelos de cada pessoa." Não poderia haver "também" se Ele é a propiciação por toda a família humana. Tivesse o apóstolo o intuito de afirmar que Cristo é a propiciação universal, ele teria omitido a primeira cláusula do verso 2, e simplesmente dito, "Ele é a propiciação pelos pecados de todo o mundo." Confirmatório de "não pelos nossos (crentes Judeus) somente, mas também pelos de todo o mundo" - crentes Gentios, também; compare João 10:16; 17:20.
Em sexto lugar, nossa definição de "mundo inteiro"
está de perfeito acordo com outras passagens no Novo Testamento. Por
exemplo: "Por causa da esperança que vos está reservada nos céus, da
qual antes ouvistes pela palavra da verdade do evangelho, que já chegou
a vós, como também está em todo o mundo" (Colossenses 1:5-6). Significa
aqui "todo o mundo," absolutamente e sem limitação, toda humanidade?
Todas as famílias humanas tinham ouvido o Evangelho? Não; o significado
do apóstolo é que, o Evangelho, no lugar de ser confinado à terra da
Judéia, tinha se espalhado, sem restrição, para terras Gentílicas. Assim
em Romanos 1:8: "Primeiramente dou graças ao meu Deus, mediante Jesus
Cristo, por todos vós, porque em todo o mundo é anunciada a vossa
fé." O apóstolo está aqui se referindo à fé daqueles santos Romanos
sendo anunciada em uma forma de
recomendação. Mas certamente toda humanidade não tinha ouvido da
fé deles! Era a todo o mundo dos crentes que ele estava se
referindo! Em Apocalipse 12:9 lemos de Satanás, o qual "engana todo o
mundo." Mas novamente a expressão não pode ser entendida como uma
expressão universal, porque Mateus 24:34 nos diz que Satanás não pode
"enganar" os eleitos de Deus. Aqui "todo o mundo" é o mundo dos
descrentes.
Em sétimo lugar, insistir que "todo o mundo" em 1 João 2:2 significa
toda a raça humana é minar os próprios fundamentos de nossa fé. Se
Cristo é a propiciação para aqueles que estão perdidos igualmente como
para aqueles que estão salvos, então que segurança temos que os crentes
também não possam se perder? Se Cristo é a propiciação para aqueles que
agora estão no inferno, que garantia terei que eu não possa terminar no
inferno? O sangue derramado do Filho encarnado de Deus é a única coisa
que pode livrar qualquer um do inferno, e se muitos daqueles por quem
este precioso sangue fez propiciação estão agora no terrível lugar da
condenação, então aquele sangue se mostrou ineficaz para mim! Fora com
um pensamento tão desonroso a Deus!
Embora os homens possam fugir e perverter as Escrituras, uma coisa é
certa: A Expiação não falhou. Deus não permitirá que o precioso e caro
sacrifício falhe no cumprimento, completamente, para o qual foi
designado efetuar. Nem uma gota do santo sangue foi derramado em vão. No
último grande Dia não haverá um Salvador desapontado e derrotado, mas Um
que "verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará satisfeito"
(Isaías 53:11). Não são nossas palavras, mas a infalível asserção dEle
que declara: "O meu conselho subsistirá, e farei toda a minha
vontade" (Isaías 46:10). Sobre esta impregnável rocha nós descansamos.
Que outros descansem nas areias da especulação humana e da teorização do
século 20 se eles quiserem. Isto é assunto deles. Mas a Deus eles terão
de prestar contas. De nossa parte preferimos ser chamados de mentes
limitadas, fora de moda, hyper-Calvinista, do que sermos encontrados
repudiando a verdade de Deus e reduzindo a eficácia Divina da expiação
para uma mera ficção.
NOTA FINAL:
1 É verdade que muitas coisas na Epístola de João se
aplicam igualmente a crentes Judeus e Gentios. Cristo é o
Advogado de um, tanto como de outro. A mesma coisa pode ser dita de
muitas coisas na Epístola de Tiago que é também uma epístola católica
ou geral, apesar de ter sido expressamente endereçada às dozes
tribos espalhadas entre as nações.
NOTA DO TRADUTOR: O presente artigo é um dos apêndices (o quarto) do excelente livro "A Soberania de Deus", de Arthur Pink. Este livro foi traduzido para o português e publicado pela Editora Fiel, com o título "Deus é Soberano". Contudo, não consta na versão brasileira o capítulo sobre "A Soberania de Deus na Reprovação" e nenhum dos quatro apêndices, os quais podem ambos ser lidos aqui no site Monergismo.com.
Tradução livre: Felipe Sabino de Araújo Neto, Cuiabá-MT, 24 de Julho de 2003.
Para material adicional de A. W. Pink's The Sovereignty of God em Português, por favor, clique aqui.