Covenant Protestant Reformed Church
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O Cativeiro da Vontade

Rev. Steven R. Houck

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

 

"Livre-Arbitrismo"

Há um erro muito sério que é amplamente crido e promovido em nossos dias—o erro do "livre-arbitrismo." Pelo termo, "livre-arbitrismo," não estou me referindo ao fato de que o homem tem uma vontade. Isto é certamente bíblico. No ato da criação, Deus deu ao homem a faculdade da vontade e esta faculdade não foi perdida na queda. Todos os homens têm vontades. Com essas fazemos todos tipos de decisões e escolhas todos os dias. Por "livre-arbitrismo" quero dizer o falso ensino de que o homem tem um livre-arbítrio. Muitas pessoas creem que o homem não somente tem uma vontade, mas que sua vontade é livre.

Por livre-arbítrio eles querem dizer duas coisas. Primeiro querem dizer que a vontade do homem em todos os seus desejos, determinações e escolhas é livre de qualquer causa externa. O próprio homem deseja o que ele deseja por causa de seu próprio agrado. Ninguém pode jamais fazê-lo querer o que ele de si mesmo não propôs querer—nem mesmo Deus. De fato, eles dizem que Deus deu este livre-arbítrio e que ele não interferirá nele, não importa o que aconteça. Embora ele possa querer que um homem faça algo, se o homem não desejar fazer isto de si mesmo, Deus não fará nada para mudar sua vontade. Em segundo lugar, eles querem dizer que de um ponto de vista ético e moral, a vontade do homem é livre para escolher tanto o bem como o mal. O homem tem a capacidade de escolher o caminho do pecado ou escolher o caminho da justiça. Sua vontade não é inclinada para seguir um caminho ou outro. O homem tem igualmente a capacidade de fazer o bem ou o mal. Ele é espiritualmente livre.

Portanto, com o seu livre-arbítrio o homem pode tanto escolher Cristo como rejeitá-lo. Ele pode tanto escolher ser um cristão como recusar ser um. A escolha é estritamente dele. Embora as pessoas ou coisas possam influenciá-lo de uma forma ou outra, no final das contas, nada pode fazê-lo escolher Cristo ou não. Até mesmo Deus nunca o faz soberanamente escolher a Cristo, mudando sua vontade. Deus faz sua própria vontade subserviente ao livre-arbítrio do homem.

O livre-arbitrismo é um erro sério que é contrário às Sagradas Escrituras, pois:

1) A Bíblia nos ensina que a vontade do homem não é livre, mas é prisioneira da eterna, imutável e soberana vontade de Deus.

2) A Bíblia nos ensina que a vontade do homem permanece em cativeiro espiritual ao pecado e não pode desejar o que é eticamente e moralmente bom, à parte da regeneração.

3) A Bíblia ensina que a verdadeira liberdade espiritual é o dom precioso que Deus dá somente ao seu povo através de Jesus Cristo.

 

A Vontade Soberana de Deus

Que a vontade do homem não é livre, é demonstrado em primeiro lugar pelo fato que a vontade do homem é prisioneira da vontade soberana de Deus. A vontade de Deus é a única vontade que é absolutamente livre. Sua vontade não é determinada por nada ou ninguém fora de si mesmo. Embora o mundo esteja cheio de incontáveis criaturas e suas ações, elas não influenciam a vontade de Deus de forma alguma. Até as ações do homem e sua vontade não determinam a vontade soberana de Deus. Deus é absolutamente independente de todos os outros seres, e assim é sua vontade. Ele quer o que ele quer por causa do seu próprio soberano beneplácito. Assim, o apóstolo Paulo pôde escrever: "Porque, quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém" (Romanos 11:34-36). O profeta Isaías ensina a mesma coisa quando diz: "Quem guiou o Espírito do SENHOR, ou como seu conselheiro o ensinou? Com quem tomou ele conselho, que lhe desse entendimento, e lhe ensinasse o caminho do juízo, e lhe ensinasse conhecimento, e lhe mostrasse o caminho do entendimento? Eis que as nações são consideradas por ele como a gota de um balde, e como o pó miúdo das balanças; eis que ele levanta as ilhas como a uma coisa pequeníssima ... Todas as nações são como nada perante ele; ele as considera menos do que nada e como uma coisa vã" (Isaías 40:13-17).

As Escrituras deixam claro que ninguém pode frustrar o eterno conselho e vontade de Deus. Deus sempre consegue exatamente o que ele quer. Lemos em Isaías 14:24, 27: "O SENHOR dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará … Porque o SENHOR dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida; quem pois a fará voltar atrás?" Os próprios pensamentos do Senhor certamente acontecerão. O que ele propôs permanecerá e ninguém pode deter sua mão quando ele faz o que quer.

Isto significa que o próprio Deus ativamente traz à luz todas as coisas que acontecem de acordo com o que ele propôs e determinou ser feito. Porque ele é o Deus que faz todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade (Efésios 1:11), Deus soberanamente opera em todas as coisas de tal forma que ele faz todas as coisas fazer o que ele quis em seu eterno conselho. Todas as coisas, não somente algumas coisas, sempre fazem exatamente o que ele determinou. Elas fazem exatamente o que ele determinou porque o próprio Deus opera isto nelas. Tudo da história e todas as coisas na história são exatamente como Deus quis que fosse. O mundo não está fora de controle. Até mesmo os mínimos detalhes acontecem de acordo com a sua eterna vontade e conselho. Jesus diz: "Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? e nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai. E até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados" (Mateus 10:29-30).

Visto que a vontade de Deus é soberanamente livre, não pode haver outras vontades livres no mundo. Se houvesse, elas limitariam e infringiriam a vontade de Deus, de forma que ela não poderia ser livre e Deus não seria soberano. Que a vontade de Deus é soberana significa, portanto, que a vontade da criatura não é livre. A vontade de toda criatura é subserviente à vontade de Deus. Porque a vontade de Deus é sempre realizada, a vontade da criatura deve estar conformada à vontade soberana de Deus. Isto é confirmado pelas palavras de Isaías em Isaías 46:9-11: "… Eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim. Que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha. Que chamo a ave de rapina desde o oriente, e de uma terra remota o homem do meu conselho; porque assim o disse, e assim o farei vir; eu o formei, e também o farei."

Dessa forma, até o homem está cativo à vontade soberana de Deus – tanto o justo como o ímpio, o regenerado e o não regenerado. O homem não pode e não age independentemente de Deus. Até a sua vontade está sob o domínio da vontade eterna de Deus. Deveras, Deus criou o homem com uma vontade, de forma que ele faz decisões e escolhas todos os dias. Esta vontade, contudo, não é livre. Porque as Escrituras nos ensinam: "Muitos propósitos há no coração do homem, porém o conselho do SENHOR permanecerá " (Provérbios 19:21). Embora o homem tenha muitos planos no seu coração os quais deseja realizar, ele não pode fazer nada fora do conselho de Deus. Porque a própria vontade do homem é movida, direcionada e controlada pela vontade de Deus. A vontade de homem está sempre à serviço do Senhor, seja consciente ou inconscientemente.

Isto é mui claramente ensinado no livro de Provérbios. No capítulo 16, versículo 1, lemos: "Do homem são as preparações (literalmente—disposições) do coração, mas do SENHOR a resposta da língua." Aqui o coração é dito ser direcionado por Deus, mas isso também inclui a vontade. Porque a vontade do homem é direcionada por seu coração. Lemos: "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida" (Provérbios 4:23). Também em Provérbios 23:7 lemos: "Porque, como imaginou no seu coração, assim é ele …" Assim, a vontade é dirigida pelo coração. Mas esse coração é preparado ou disposto pelo Senhor. O Rei Salomão testificou: "Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR, que o inclina a todo o seu querer" (Provérbios 21:1). A vontade de Salomão não era absolutamente livre. Ele próprio diz que seu coração estava na mão de Deus e Deus o inclinava para onde queria. Assim, tão certo como Deus pela sua onipotência muda o curso dos grandes rios, assim ele dirige o coração e a vontade do homem.

A vontade do homem é referida diretamente em Filipenses 2:13. Lá o apóstolo diz: "Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade." Aqui o apóstolo não ensina que a vontade do homem é livre da interferência de Deus. Não, ele ensina exatamente o oposto. Ele ensina que a vontade do homem está sob o domínio do operar soberano de Deus, tanto quanto qualquer outra coisa. Tão certo quanto Deus move o vento e as ondas desta ou daquela forma, ele move a vontade do homem para o propósito, plano e vontade que lhe agrada. Deus opera dentro da vontade.

Ele energiza e capacita a vontade de uma forma que ele faz com que o homem queira o seu bom propósito. Dessa forma, Deus não somente capacita o crente a fazer o seu bom propósito, mas também faz com que ele queria o seu bom propósito. De fato, sem a poderosa operação da graça de Deus dentro da vontade do crente, ele não poderia desejar o que é bom. As boas obras do crente são completamente dependentes do controle soberano de Deus de sua vontade. O apóstolo diz que todas as boas obras do crentes foram ordenadas por Deus em seu conselho. Em Efésios 2:10 lemos: "Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas." Certamente isso significa que Deus executa a sua vontade concernente às boas obras fazendo com que a vontade do homem deseje o seu bom propósito. Se isso não fosse verdade, a vontade de Deus poderia ser frustrada pelo crente que não faz as boas obras que Deus ordenou.

Deus também opera no coração do ímpio para que eles desejem o que ele propôs. Lemos em Salmos 105.25: "Virou o coração deles (os Egípcios) para que odiassem o seu povo, para que tratassem astutamente aos seus servos." Deus virou o coração e, portanto, a vontade dos Egípcios ímpios para que odiassem Israel e os escravizassem. Embora o coração seja mau e totalmente contrário ao justo padrão de Deus, ele ainda é dirigido e controlado por Deus. Isso é visto particularmente no caso do ímpio Faraó. Deus endureceu o seu coração para que ele não deixasse Israel partir. Deus disse a Moisés: "Quando voltares ao Egito, atenta que faças diante de Faraó todas as maravilhas que tenho posto na tua mão; mas eu lhe endurecerei o coração, para que não deixe ir o povo" (Êxodo 4:21).

Assim, o primeiro princípio que devemos entender sobre a vontade do homem é este: a vontade do homem não é soberanamente livre, mas é sempre cativa à soberana vontade de Deus. Não podemos desejar e fazer nada à parte do querer de Deus. Porque "todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?" (Daniel 4:35).

 

Liberdade no Paraíso

Porque Deus é um Deus soberano, a vontade de todos os homens—tanto dos justos como dos ímpios—é subserviente e sujeita à vontade de Deus. Há, contudo, outro tipo de cativeiro da vontade. À parte da regeneração o homem é espiritual, moral e eticamente escravo do pecado, de forma que ele não pode fazer o bem. Ele não é espiritualmente livre. O apóstolo Paulo fala disso em Romanos 6:20, onde se refere aos não convertidos como servos do pecado. Mas antes que possamos entender esse cativeiro espiritual, devemos ver que essa não era a condição original do homem. Esse cativeiro moral e ético não é o resultado da criação. Quando Deus criou o homem, ele o criou espiritualmente livre. Antes da queda, Adão não conhecia nada de cativeiro ao pecado.

Embora a vontade de nosso pai, Adão, tenha sido criada subserviente à vontade de Deus, sua vontade era espiritualmente livre—isto é, livre de todo pecado. Adão era tão livre moralmente que todas as inclinações de seu ser eram voltadas para o bem. Ele tinha uma justiça positiva, não simplesmente uma neutralidade. Sua vontade era boa e desejava somente o bem. Isto porque Adão foi criado à imagem de Deus. Lemos: "E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou" (Gênesis 1:27). Adão se parecia com Deus, espiritualmente. A imagem de Deus é explicada pelo apóstolo quando ele diz: "E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade" (Efésios 4:24). Em Colossenses 3:10 ele adiciona: "E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou." A imagem de Deus consiste de três elementos—justiça, santidade e conhecimento de Deus. Assim, em todo o seu ser, incluindo sua vontade, Adão possuía justiça, santidade e o verdadeiro conhecimento de Deus. Ele não desejava o pecado. Ele desejava fazer o que era bom.

A verdadeira liberdade espiritual não é a capacidade de escolher tanto o bem como o mal. Esse é o conceito de muitos. Eles pensam que um livre-arbítrio é uma vontade que pode escolher tanto pecar como não pecar, escolher a Cristo ou rejeitá-lo. Ela é livre para fazer isso ou aquilo, sem quaisquer inclinações para um lado ou outro. Mas isso não é verdade. A Bíblia sempre fala de liberdade espiritual como a capacidade de fazer o bem em lugar do mal. Isso é o que lemos em Romanos 6:17-18: "Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça." Aqui a liberdade espiritual é definida não como a capacidade de escolher tanto o bem como o mal, mas como a capacidade de escolher o que é bom. Isso é liberdade do pecado. Alguém que é espiritualmente livre não está cativo ao pecado, mas é, em vez disso, um servo da justiça.

A liberdade espiritual de Adão, então, era sua capacidade de escolher e fazer o que era bom. Diariamente ele amava, adorava e servia a Deus em justiça e santidade. Ele estava cheio com o conhecimento de Deus de forma que conhecia quem Deus era e tinha um íntimo conhecimento de comunhão com Deus. Ao anoitecer ele andava com Deus e conversava com ele. O desejo e a vontade de seu coração era agradar a Deus fazendo o que era reto e bom. Ele não desejava o pecado e os prazeres dele. Sua liberdade era tal que ele não conhecia nada do pecado. Tudo do seu ser e de sua vida era justiça, santidade e conhecimento de Deus. Sua vontade era totalmente consagrada a Deus. Ele era tão livre que não era capaz de pecar. Até que comesse do fruto proibido, ele não conhecia o pecado de forma alguma.

Mas a liberdade espiritual de Adão não era o mais alto tipo de liberdade. Porque embora ele fosse capaz de não pecar, ele, todavia, pecou. Ele poderia perder sua liberdade moral e ética. Deus o advertiu disso quando Lhe disse: "Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás" (Gênesis 2:17). Adão poderia desejar comer da árvore. Se o fizesse, morreria espiritualmente. Ele perdeu a imagem de Deus e sua liberdade espiritual para escolher o bem. Na providência isso foi justamente o que aconteceu. Embora todas as inclinações do seu ser, incluindo sua vontade espiritualmente livre, o inclinassem à obediência a Deus, ele comeu. Ele perdeu a imagem de Deus e morreu espiritualmente. Sua santidade, justiça e conhecimento de Deus foram transformados em trevas e injustiça. Sua vontade se tornou escrava de sua natureza má. Ele não mais poderia escolher o que era bom e justo.


A Vontade Caída do Homem

Quando Adão pecou no jardim e perdeu sua liberdade espiritual, esse ato teve consequências que alcançaram todos da humanidade. O cativeiro espiritual de nosso pai passou para todos de sua posteridade. As ações de Adão não afetaram meramente sua própria vida, mas a vida de cada pessoa nascida no mundo. O apóstolo Paulo diz: "Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram" (Romanos 5:12). Quando o pecado entrou no mundo através do pecado de Adão, toda a humanidade se tornou espiritualmente escravizada pelo pecado.

Este cativeiro que veio sobre a raça foi em primeiro lugar um cativeiro legal. Imediatamente após Adão pecar, a culpa de seu pecado foi imputada a toda raça. O apóstolo Paulo diz: "Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação ... Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos (constituídos ou declarados) pecadores …" (Romanos 5:18-19). A culpa do pecado de Adão foi declarada ser a culpa da raça. Deus julgou ser toda a raça humana culpada do pecado de Adão. Portanto, ele condenou a raça. Todos os homens são dignos de eterna destruição no inferno. Todos os homens estão presos em cativeiro à culpa daquele pecado, pela qual culpa, exceto que seja perdoada, devem gastar toda a eternidade pagando o terrível preço do primeiro pecado de Adão.

O cativeiro que veio sobre a raça foi também um cativeiro orgânico pelo qual a natureza do homem é má. Todos os homens nascem no mundo com a mesma natureza corrupta e má, como o seu pai, Adão [após a queda]. Davi confessou: "Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe" (Salmos 51:5). Todos os homens "nascem mortos em delitos e pecados" (Efésios 2.1). Todos os homens, por natureza, não são livres para o bem ou mal, mas estão presos em cativeiro espiritual ao pecado e ao diabo. Jesus se refere ao cativeiro do homem ao pecado quando diz: "Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado" (João 8:34). O apóstolo Paulo se refere ao cativeiro do homem ao diabo quando fala daqueles que estão presos nos "laços do diabo, em que à vontade dele estão presos" (II Timóteo 2:26).

Com um resultado, à parte da graça de Deus, o homem não é livre para desejar ou fazer qualquer bem. É impossível para o homem natural fazer algo, senão pecar. Deveras, o homem tem uma vontade pela qual ele faz muitas escolhas todos os dias de sua vida. Mas estas escolhas são sempre más. O cativeiro moral e ético do homem é de uma tal natureza que ele pode querer e fazer somente o mal. As Escrituras nos ensinam isso em Romanos 3:10-12: "Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só." Não há uma pessoa sobre a face da terra que, de si mesma, faça o bem. Não, nenhuma! Não há uma pessoa sequer que busque a Deus. Pois a vontade do homem natural é tão má que nem mesmo deseja a Deus. É impossível para a vontade do homem estender a mão para Deus.

Tal acontece porque todos os desejos do homem são controlados por sua natureza básica. "Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons" (Mateus 7:17). Tudo o que um homem deseja deve estar em harmonia com a natureza básica de seu ser. A Bíblia nos ensina que a depravação do homem envolve todo o seu ser, não apenas uma parte. Assim, lemos do coração corrupto: "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?" (Jeremias 17:9). No próprio centro do homem, ele é desesperadamente mau. O mesmo é verdade da mente ou entendimento do homem. "Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente" (I Coríntios 2:14). Por causa do cativeiro espiritual do homem, ele não pode nem mesmo entender as coisas de Deus. Como pode ele, então, desejar o que é bom se ele nem mesmo pode entender o que é bom? Jesus diz: "Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (João 3:3). Se um homem não pode ver o reino de Deus, certamente não pode desejar o bem. Todo verdadeiro bem pertence ao reino de Deus.

Mas devemos ir mais adiante, porque a Bíblia nos ensina que a própria vontade é acorrentada pelo pecado. O homem, por natureza, não pode escolher a Deus ou qualquer outro bem porque sua própria vontade não é livre. Está preso em cativeiro espiritual ao pecado e ao diabo. Assim diz Jesus: "Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai (literalmente)" (João 8:44). Todos dos homens são, por natureza, filhos do diabo. Todos os homens, por natureza, desejam fazer o que o diabo deseja que eles façam. A vontade está espiritualmente escravizada ao diabo. Em II Timóteo 2:26 lemos que os não regenerados estão "presos por ele para fazer sua (literalmente) vontade." O diabo deixa os ímpios cativos para que espiritualmente eles estejam totalmente dentro de sua vontade. Suas vontades são engolfadas por sua vontade e portanto eles fazem a sua vontade. O apóstolo Paulo se refere ao não regenerado como aqueles que estão "cumprindo os desejos da carne e dos pensamentos" (Efésios 2:3). A palavra desejos se refere à vontade. A vontade do homem natural está escravizada por sua natureza pecaminosa e por seus maus pensamentos. Em Efésios 4:22 o homem natural é dito ser "corrompido pelas concupiscências do engano." O homem é corrompido em harmonia com sua vontade enganosa. Porque concupiscência é outro termo para vontade. Sua vontade é má. Assim, o homem natural não é espiritualmente livre. Ele não tem livre-arbítrio. Ele e sua vontade são escravos do pecado e de Satanás, exceto se for regenerado pela graça de Deus.

Esse cativeiro espiritual do homem é tão severo que ele não pode fazer nada para mudar sua condição. A vontade do homem é tão totalmente escravizada ao pecado que é impossível para ele se livrar, por si mesmo, de suas algemas. O Espírito de Deus nos ensina através das palavras de Jó: "Quem do imundo tirará o puro? Ninguém" (Jó 14:4). O homem, por natureza, é impuro de coração, mente e vontade. Como ele pode tirar algo puro desta corrupção? É impossível. Em Jeremias 13:23 esta verdade é posta de uma forma um pouco diferente. Lemos: "Porventura pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Então podereis vós fazer o bem, sendo ensinados a fazer o mal." Quão tolo é pensar que um Etíope pode mudar a cor de sua pele ou um leopardo as suas manchas pretas. Assim também, o homem não pode mudar a negridão de seu coração, mente e vontade más. O homem, à parte da graça de Deus, é totalmente corrupto e não pode mudar isso. Tudo o que ele pode tirar de sua vontade escravizada é a negridão do pecado.

 

A Vontade e as Boas Obras

Embora a Bíblia ensine que a natureza do homem é tão depravada que ele não quer e não pode fazer nenhum bem, muitos insistem que o não regenerado é capaz de fazer algum bem. O homem é capaz de fazer o que é ética e moralmente bom. Eles nos dizem para olharmos ao nosso redor e ver todas as coisas boas que os incrédulos fazem. Olhe para o rico incrédulo que dá milhares de dólares para caridade. Olhe para o médico ímpio que doa seu tempo para ajudar o pobre com problemas médicos. Olhe para as muitas pessoas que não são cristãs, mas que fazem dão muito alívio para vítimas de fome, pobreza e guerra. Eles não estão fazendo boas obras? Não parece que muitos incrédulos fazem muito bem no mundo?

De acordo com a Bíblia, a resposta é: Não. O incrédulo não pode fazer nenhum bem ético. É verdade, contudo, que o não regenerado pode fazer bem certas coisas. Ele pode ser um bom carpinteiro que construa uma casa que dure. Pode ser um bom médico que diagnostique e trate muito bem uma enfermidade. Há pessoas que são boas na matemática, ciência ou no inglês. Mas agora estamos falando sobre bondade num sentido diferente. Isso não é bondade moral e ética. É bondade num sentido não-moral. Um carpinteiro pode ser bom na construção de uma casa, mas ser muito imoral. Ele não é bom de um ponto de vista ético e espiritual.

É verdade que um incrédulo pode fazer muitas coisas que parecem ser moralmente boas. Ele pode fazer algo que, em si mesmo, pode ser uma coisa boa. Ele pode, por exemplo, ir à igreja e ouvir a pregação da Palavra de Deus. Ele pode orar regularmente e sustentar sua igreja financeiramente. Pode fazer muitas coisas por seus amigos e vizinhos que, em si mesmas, são muito boas. Mas isso não significa que ele faz o bem. Lembrem-se dos Fariseus. Ele faziam todas essas coisas. Mas Jesus lhes disse: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia" (Mateus 23:27). Eles pareciam ser bons exteriormente, mas interiormente eram muito maus.

Esse foi o caso com Jeú. Em 2 Reis 10:30 lemos: "Por isso disse o SENHOR a Jeú: Porquanto bem agiste em fazer o que é reto aos meus olhos e, conforme tudo quanto eu tinha no meu coração, fizeste à casa de Acabe, teus filhos, até à quarta geração, se assentarão no trono de Israel." Aqui vemos que Jeú agiu bem. Ele foi um bom soldado que fez um bom trabalho de destruir a casa de Acabe, assim como Deus lhe havia ordenado. Ele obedeceu a Deus de uma maneira externa. Isso, contudo, não significa que ele fez o bem do ponto de vista ético e moral. Lemos no verso 31: "Mas Jeú não teve cuidado de andar com todo o seu coração na lei do SENHOR Deus de Israel, nem se apartou dos pecados de Jeroboão, com que fez pecar a Israel." Embora Jeú tenha obedecido ao Senhor de uma forma externa e destruído a casa de Acabe, ele não andou nos caminho da lei de Deus e, portanto, seus feitos não eram moralmente bons. Ele não era bom interiormente. Assim é com muitas pessoas. Elas podem fazer bem muitas coisas. Podem até parecer obedecer a Deus. Mas todos os que não são convertidos não podem fazer nenhum bem ético e moral, porque são perversos em seus corações. Mesmo que pareçam fazer boas obras, seus feitos são somente e sempre pecados.

Isso pode ser visto pelo fato que as Escrituras nos ensinam que um pensamento, palavra ou ação é eticamente bom quando:

1) está em harmonia com a lei de Deus;

2) é produto de uma verdadeira fé;

3) é feito para a glória do Deus Todo-poderoso.

Para ser moralmente bom, em primeiro lugar, deve se conformar à justiça da lei de Deus. O apóstolo João diz: "Qualquer que comete pecado, também transgride a lei; porque o pecado é a transgressão da lei " (I João 3:4). Visto que o pecado é a transgressão da lei, obviamente que o que se conforma à lei de Deus é moralmente bom. Qualquer feito que é contrário à lei de Deus não é moralmente bom. Se uma pessoa mente, mesmo que ela minta para uma boa causa, esse ato não é bom. É uma transgressão da lei e não pode ser bom.

Uma boa obra deve também ser um produto de uma verdadeira fé. Em Hebreus 11:6 lemos: "Ora, sem fé é impossível agradar-lhe (Deus) …" Se uma pessoa não tem fé, não pode agradar a Deus, não importa o que faça. Um incrédulo, por definição, não tem fé. Ele não pode agradar a Deus e, portanto, não pode fazer o bem. O apóstolo Paulo afirma isso dessa forma: "Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus" (Romanos 8:8). Se alguém não tem fé, está na carne. Ele pode somente pecar. Porque "o que não é de fé é pecado" (Romanos 14:23). E os feitos do incrédulo são de fé? Não! Então, são pecados.

Se um feito é para ser moralmente bom, ele deve também ser feito para a glória de Deus. Não deve ser feito com resultado de motivos egoístas ou até mesmo para o benefício da humanidade. Deve ser feito para Deus. O apóstolo Paulo escreve: "Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus" (I Coríntios 10:31). Esse é o chamado de todo homem. Não devemos servir a nós mesmos, nem mesmo aos nossos semelhantes. Nós servimos a Deus. Tudo que fazemos deve ser feito para sua glória. Se um homem vende tudo o que ele tem e dá para o pobre, mas não o faz para a glória de Deus, isso não é moralmente bom. Se um homem dedica sua vida para socorrer o pobre e aflito, mas não faz isso para a glória de Deus, é pecado. Tudo o que não é feito para glorificar a Deus não é moralmente bom, mas é pecado.

Assim, deve ser claro que o não regenerado que não guarda a lei de Deus, não tem fé, e que não busca a glória de Deus, não pode querer ou fazer qualquer bem. Embora possa parecer que eles fazem o bem algumas vezes, as coisas não são sempre como parecem. Nós não conhecemos o coração que está atrás da ação. Não devemos permitir que nosso mal-entendimento das ações do homem destruam o testemunho da Palavra de Deus. Devemos crer no que Deus diz: "E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente" (Gênesis 6:5). Embora os feitos externos do não regenerado pareçam moralmente bons, eles são somente maus continuamente.

 

A Vontade e a Salvação

Visto que a vontade do homem não é espiritualmente livre, mas é escrava do pecado e do diabo, e visto que ele não pode fazer nenhum bem seja qual for, o homem não pode salvar a si mesmo por sua vontade. Visto que a vontade do homem não pode desejar o que é bom e reto, como é possível que escolha Cristo? Escolher a Cristo é um ato da mais alta bondade. Isso, contudo, é precisamente o que a maioria das pessoas creem. Elas nos falam que a salvação é totalmente de Deus e de sua graça. Deus tem uma salvação embrulhada como um belo presente que ele dá para cada homem. Mas o homem deve primeiro receber a Cristo pelo exercício do seu próprio livre-arbítrio. Deus não fará nada até que o homem escolha a Cristo. Dessa forma, o fator determinante na salvação, de acordo com eles, não é a vontade de Deus, nem a obra expiatória de Cristo, mas a escolha do homem. A salvação é feita dependente no final das contas da vontade do homem. A vontade do homem deve ser ativa primeiro, então Deus salvará.

As Sagradas Escrituras nos ensinam algo inteiramente diferente. O não regenerado não pode escolher a Cristo. Isso é claramente ensinado no evangelho segundo João. Em João 6:44 lemos: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia." Jesus nos ensina que o homem não pode vir a ele, a menos que o Pai o traga. Não há livre-arbítrio que o capacite para vir a Cristo. Isso requer um poder fora dele, o poder da graça de Deus. Sem esse poder, ninguém virá a Cristo para salvação. Jesus diz: "Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto …" (João 15:16). O homem natural não pode e não escolhe a Cristo. O extremo oposto é verdadeiro. Cristo o escolhe. O homem não é salvo porque ele escolhe a Cristo. A vontade do homem é tão má que somente a escolha soberana de Cristo pode salvá-lo.

Assim, não podemos dizer que somos salvos por nossa vontade e escolha. Não podemos dizer que somos salvos porque fizemos uma decisão por Cristo ou o aceitamos. É verdade que a Bíblia diz: "Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome" (João 1:12). Mas isso não significa que o recebemos pelo poder de nossas próprias vontades. O extremo oposto é verdadeiro como é indicado no versículo seguinte. Lá lemos: "Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus." Note que o apóstolo diz que não nascemos da vontade do homem. O novo nascimento, regeneração, não acontece porque o homem escolhe a Cristo com sua vontade escravizada! Não! Isso é impossível! A salvaçao não é da vontade do homem, mas de Deus.

A salvação é de Deus porque ela é baseada na vontade de Deus. Tiago diz: "Segundo a sua vontade (de Deus), ele nos gerou pela palavra da verdade …" (Tiago 1:18). A origem da salvação, o fator determinante na salvação, é a vontade de Deus. Ninguém nasce de novo, a menos que Deus queira assim fazer. Porque Deus é o Deus que predestina, o qual determinou a vida e o destino de cada pessoa. Pela sua soberana vontade ele predestinou alguns para salvação e outros para eterna destruição do inferno. O apóstolo diz: "Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição" (Romanos 9:21-23). Deus é o Oleiro e n��s somos o barro. Assim como o oleiro pode fazer do seu barro qualquer coisa que lhe agrade, assim Deus faz de suas criaturas o que lhe agrade—alguns em vasos de honra (eleição) e outros em vasos de desonra (reprovação). Essa é a soberania da vontade de Deus. Toda salvação, portanto, tem sua origem na eterna eleição de Deus. Em Efésios 1:4-5 lemos: "Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade." Uma pessoa é filho de Deus, santa em Cristo, somente porque Deus o escolheu para ser de acordo com o beneplácito de sua vontade. Note também que a eleição de Deus ocorreu antes da fundação do mundo. Portanto, ela não pode ser baseada sobre nada no homem. Ela é a livre escolha de Deus.

Quando um homem confia em Cristo, é porque Deus o escolheu primeiro. Lemos em Atos 13:48: "… e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna." O eterno decreto da eleição de Deus é a suprema origem da fé. Um homem crê porque ele foi ordenado para a vida eterna. Se alguém não crê, é porque Deus não o escolheu para a vida eterna. Assim Jesus disse: "Mas vós não credes porque não sois das minhas ovelhas, como já vo-lo tenho dito" (João 10:26). De fato, a fé é impossível à parte da regeneração. A fé não precede o novo nascimento, mas o novo nascimento precede a fé. A fé não é uma obra do homem, mas o dom de Deus que ele dá na regeneração. Jesus é chamado o autor e consumador de nossa fé (Hebreus 12:2), porque ninguém tem fé, a menos que lhe seja dada por Deus através da operação do Espírito de Cristo. As Escrituras nos ensinam que o povo de Deus "crê segundo a operação da fora do seu (de Deus) poder" (Efésios 1:19). O apóstolo Paulo diz: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie" (Efésios 2:8-9). A fé não vem de nós. Ela não vem de nossas obras. É um dom gracioso de Deus.

O que a vontade do homem não pode fazer devido estar escravizada ao pecado, a vontade de Deus faz. A salvação é a obra poderosa da vontade e do poder de Deus. "Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece" (Romanos 9:16).

 

A Vontade e a Responsabilidade do Homem

Há muitos que atacam a doutrina do cativeiro da vontade asseverando que ela conflitua com a doutrina da responsabilidade do homem. Muitos creem que a responsabilidade do homem é baseada na capacidade de fazer o que Deus diz. Como Deus pode exortar a todos para se arrependerem e crerem, se o homem não tem a capacidade para assim fazer? Isso seria injusto da parte de Deus. Eles nos dizem, portanto, que todas as exortações da Bíblia são provas de que a vontade do homem não é escravizada de forma alguma, mas livre para fazer o que Deus requer. Deus não poderia considerar o homem responsável se ele não tivesse essa capacidade. De fato, muitas pessoas creem que a responsabilidade do homem é exatamente isso. É sua capacidade de livremente escolher o bem.

Se essa concepção da responsabilidade do homem fosse correta, a doutrina do cativeiro da vontade estaria deveras em direto conflito com a responsabilidade do homem. Contudo, as Escrituras nos ensinam que a responsabilidade do homem não consiste em sua capacidade de fazer o que Deus requer. Como já temos demonstrado, o homem não tem essa capacidade. Jesus disse: "Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer" (João 15:5). Sem Jesus Cristo ninguém pode fazer algo que produza fruto. O Senhor se refere ao fruto espiritual. Ele está falando sobre a capacidade espiritual de fazer o bem e crer nele. Ninguém que está sem Cristo tem essa capacidade.

Além do mais, Deus não é injusto em requerer do homem o que ele não pode fazer . Deus é perfeitamente justo porque ele não criou o homem sem essa capacidade. Deus fez o homem justo e capaz de fazer tudo o que ele requer. Foi o homem quem recusou fazer como Deus havia ordenado e, portanto, perdeu essa capacidade. Assim, lemos em Eclesiastes 7:29: "Eis aqui, o que tão-somente achei: que Deus fez ao homem reto, porém eles buscaram muitas astúcias." Ninguém pode dizer que Deus não é justo, porque Deus não mudou. As regras de Deus sãos as mesmas como sempre. Foi o homem quem mudou por sua própria ação. Nós somos aqueles que, em nosso pai Adão, por nossos próprios pecados, perdemos a capacidade que Deus nos deu. Assim, Deus é perfeitamente justo em todas a suas demandas. A responsabilidade do homem não tem nada a ver com uma capacidade para fazer o bem.

Nem tem a responsabilidade do homem nada a ver com a liberdade do governo e controle da soberana vontade de Deus. O cativeiro do homem ao governo soberano de Deus não é inconsistente com a responsabilidade do homem. O apóstolo Paulo trata com essa questão em Romanos 9. Primeiro ele nos mostra que Deus deveras governa sobre todos, de forma que a salvação é completamente dependente dele. Lemos: "Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece… Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer" (Romanos 9:16, 18). Se Deus endurece alguém, como ele fez com Faraó (versículo 17), essa pessoa não pode e não desejará ser salva. Se ele mostra misericórdia para alguém, como ele fez a Jacó, essa pessoa certamente será salva. A salvação está completamente nas mãos de Deus. Ele tanto endurece como mostra misericórdia.

Mas muitos dirão que isso não é justo. Como o homem pode ser responsável se a salvação é, no final das contas, uma obra de Deus e não do homem? O apóstolo se refere à essa objeção quando escreve: "Dir-me-ás então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem tem resistido à sua vontade?" (v. 19). Como Deus pode considerar o homem responsável se a salvação depende da vontade de Deus, que endurece ou mostra misericórdia? O apóstolo replica nos versículos 20-21: "Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?" A resposta é muito simples. Não temos o direito de questionar o que Deus faz. Ele é o Oleiro e nós o barro. Como o Criador, ele tem o direito de fazer como lhe agradar com todas as suas criaturas. Nós não temos direitos. Não podemos replicar contra Deus. Ele considera todos os homens responsáveis por confiar e servi-lo, embora tudo isso dependa dele. A responsabilidade do homem não é baseada sobre a liberdade do governo da vontade soberana de Deus.

A responsabilidade do homem significa duas coisas. É uma obrigação e um prestar contas. Todos são obrigados a fazer o que Deus requer. É o dever de todos amar a Deus de todo o coração e o próximo como a si mesmo (Marcos 12:29-31). Ninguém pode ser escusado dessa obrigação. Isso é o que Deus requer. A responsabilidade do homem é também a sua necessidade de prestar contas. Deus nos considera responsáveis por cumprir ou não nossa obrigação. Algum dia deveremos prestar contas de nós mesmos diante do Juiz do céu e da terra. Jesus diz: "Porque o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então dará a cada um segundo as suas obras" (Mateus 16:27). Deveremos prestar contras de todos nossos atos, porque somos responsáveis por todos eles.

Tanto a obrigação como o prestar contas estão baseados sobre um fato fundamental—Deus é o Criador e nós criaturas. Somos responsáveis por todas nossas ações, não porque sejamos capazes de fazer o que ele diz ou porque somos livres do seu governo, mas porque ele é nosso Criador. "Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas" (Apocalipse 4:11). O homem não pôde criar a si mesmo. Ele é a criação de Deus. Além do mais, ele foi criado, não para si mesmo, mas para Deus. Ele serve, não para o seu próprio agrado, mas para o de Deus. Portanto, seu lugar como uma criatura é honrar, adorar e servir seu Criador. O homem deve isso a Deus, justamente porque Deus é Criador e ele é criatura.

Tudo isso nos ensina que não há conflito entre a doutrina do cativeiro da vontade e a doutrina bíblica da responsabilidade do homem. O homem está sempre em cativeiro à vontade soberana de Deus. Enquanto ele for um não regenerado, ele também será um escravo do pecado e de Satanás. Todavia, ele é tanto obrigado a fazer o que Deus requer dele como também deverá prestar contas de todas as suas ações.

 

Liberdade em Cristo

Embora todo homem nascido neste mundo seja um escravo do pecado e do diabo, há uma liberdade espiritual para todos aqueles que pertencem a Jesus Cristo. Jesus disse: "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (João 8:36). Há deveras uma liberdade do cativeiro espiritual. Há liberdade do pecado e do salário do pecado. Há liberdade do diabo e de tudo que pertence ao seu reino de trevas. Essa liberdade é encontrada somente em Cristo Jesus. Por natureza, nenhum homem é livre ou capaz de fazer a si mesmo livre. Seu próprio cativeiro faz a liberdade por seu poder ou vontade impossível. Mas Cristo faz o seu povo livre. Cristo é o grande Libertador espiritual. Assim, Cristo pôde dizer através do profeta: "O ESPÍRITO do Senhor DEUS está sobre mim; porque o SENHOR me ungiu, para pregar boas novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos …" (Isaías 61:1).

A liberdade espiritual que Cristo dá ao seu povo é baseada na sua morte. Ela foi comprada com preço. Salvação é redenção. Quando Cristo morreu por seu povo sobre a cruz, ele comprou a liberdade deles com seu próprio sangue. Lemos: "… não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver … mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado". Dessa forma, Cristo comprou seu povo do mercado de escravos do pecado e do diabo. O apóstolo Paulo diz de Cristo: "O qual se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniqüidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras" (Tito 2:14).

A liberdade que Cristo dá ao seu povo não é uma liberdade da soberana vontade de Deus. Embora Cristo dê àqueles que salva a liberdade espiritual, isso não significa que eles sejam absolutamente livres. O homem, seja regenerado ou não, é sempre preso à vontade e conselho eterno de Deus. Ele está preso durante toda essa vida terrena em tudo o que faz. Ele está preso até mesmo depois de deixar esta vida terrena. Na glória dos novos céus e da nova terra, o povo de Deus não será independente, mas estará debaixo do controle e governo da eterna vontade de Deus. Somente Deus é soberanamente livre.

A liberdade que Cristo dá ao Seu povo é uma liberdade espiritual. Ela é, em primeiro lugar, uma liberdade legal da culpa do pecado. Porque todos os homens são por natureza escravos do pecado, todos eles são dignos de condenação. Mas Cristo livra seu povo da culpa do pecado. O apóstolo diz: "Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do pecado" (Romanos 6:6-7). Quando Cristo morreu sobre a cruz, ele morreu como um representante legal do seu povo. Assim, o povo de Deus morreu para o pecado, na morte de Cristo. Isso não significa que eles não sejam mais pecadores, mas que Cristos os livrou da culpa do pecado. Eles têm o perdão dos pecados. Lemos: "Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo as riquezas da sua graça" (Efésios 1:7). Eles são livres da maldição da lei. "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós …" (Gálatas 3:13).

Cristo também livra xeu povo do poder e do domínio do pecado e de Satanás. A liberdade espiritual não é somente um conceito legal, mas um conceito orgânico. A liberdade é algo que o filho de Deus experimenta em sua vida. O apóstolo diz: "… onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade" (II Coríntios 3:17). O povo de Deus, que são o templo do Espírito Santo, vivem uma vida de liberdade espiritual. Eles têm a liberdade do Espírito de Cristo. Esta liberdade orgânica é a liberdade de um novo coração e uma nova natureza.

Por natureza, o homem tem um coração que é mau e corrupto. O homem está morto em delitos e pecados. Mas na regeneração ao filho de Deus é dado um novo coração que é completamente livre do cativeiro do pecado e do diabo. "E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis" (Ezequiel 36:26-27). Na regeneração Deus tira o coração mau (coração de pedra) e o substitui por um coração que é manso e receptivo a ele e sua Verdade. Assim, ao homem espiritualmente morto é dado vida espiritual. "E, quando vós estáveis mortos nos pecados, e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele …" (Colossenses 2:13). O coração do homem, o centro de seu ser, é liberto do pecado. É feito santo e justo. O apóstolo expressa essa liberdade dessa forma: "Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo" (II Coríntios 5:17).

Porque ao filho de Deus regenerado é dado um novo coração, a ele é dada também uma nova natureza. Ele ainda tem a velha natureza pecaminosa, o velho homem, mas também tem um novo homem. O apóstolo diz: "E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade" (Efésios 4:24). O incrédulo que é escravizado pelo pecado tem somente uma natureza pecaminosa e, portanto, nenhum desejo de servir a Deus. O crente, por outro lado, procura andar nos caminhos de justiça e santidade porque tem novos desejos piedosos. Seu coração foi aberto para a Verdade, de forma que ele agora conhece e ama esta Verdade, ele procura viver pela Verdade e nesta Verdade encontra liberdade. Jesus diz: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" (João 8:32). Embora o crente ainda seja um pecador, todavia, agora ele pode e faz o que é agradável aos olhos de Deus. Ele não é mais um escravo do poder e domínio do pecado e do diabo.

 

Liberdade para Servir a Deus

Muitos afirmam que a liberdade em Cristo dá ao crente a permissão para pecar. Eles argumentam que visto que Cristo morreu pelos pecados de seu povo e, através disso, libertou-lhes da culpa do pecado, o crente pode viver em pecado. Visto que a salvação é toda da graça, o crente não precisa estar preocupado sobre correr do pecado e buscar a justiça. O apóstolo Paulo se refere a esse tipo de pensamento quando diz: "Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde?" (Romanos 6:1). Judas também se refere a essa distorção da verdade quando diz: "Porque se introduziram alguns, que já antes estavam escritos para este mesmo juízo, homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus …" (Judas 4).

Tal pensamento não é o ensino da Sagrada Escritura. É verdade que enquanto o crente estiver neste mundo, ele sempre será um pecador. O filho de Deus não é liberto da presença do pecado até que seja recebido na glória. De fato, ele pode até mesmo cair em pecados muito grandes como aconteceu com o Rei Davi e o apóstolo Pedro. Um filho de Deus não está imune de pecar—nem mesmo dos tipos mais horríveis de pecado. Além do mais, não há algo como uma perfeição sem pecado nesta vida. Assim, o apóstolo diz: "Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado. Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço" (Romanos 7:14-15). O crente deseja fazer o bem, mas porque ainda possui a velha natureza junto com a nova natureza, todos os seus feitos, incluindo suas melhoras boas obras, são manchadas pelo pecado.

Mas isso não significa que o crente é liberto do pecado de forma que possa continuar no pecado. Liberdade em Cristo não é liberdade para pecar. A doutrina bíblica da liberdade espiritual não significa que sejamos livres para fazer o que quisermos, seja isto bom ou mau. A liberdade espiritual é sempre liberdade do pecado. Lemos em Romanos 6:6-7: "Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do pecado." Visto que o homem velho com todos os seus pecados foi judicialmente morto com Cristo na cruz, o crente foi liberto da culpa legal do pecado. Ele, portanto, não deve servir ao pecado. "Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde? De modo nenhum. Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?" (Romanos 6:1-2). O apóstolo diz: "Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências; Nem tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniqüidade; mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça." O crente, que foi liberto da culpa do pecado, pela graça de Deus, não permite que o pecado reine nele. Os membros de seu corpo não devem ser instrumentos de iniquidade.

Assim, a atitude do crente para o pecado é inteiramente diferente daquela do ímpio. O crente odeia e procura fugir do pecado. Ele não se aproxima do pecado como poderia, mas procura estar tanto longe quanto possível. Nas profundezas do seu coração regenerado, ele não quer pecar.

Essa mudança de atitude para com o pecado da parte do crente é devido ao fato de que ele se tornou um escravo espiritual de Deus. Como temos visto, num sentido, todos os homens são sempre escravos de Deus, visto servirem à sua soberana vontade. Mas num sentido espiritual e ético, o não regenerado não é escravo de Deus. Ele não se submete à justa lei de Deus. Ele é um rebelde espiritual. Quando Cristo liberta uma pessoa de seu cativeiro espiritual do pecado, ele o faz um escravo espiritual de Deus. Liberdade em Cristo é liberdade para servir espiritualmente a Deus. A liberdade espiritual do crente é um cativeiro à justiça de Deus. Lemos em Romanos 6:18, 22: "E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça … Mas agora, libertados do pecado, e feitos servos de Deus …" Quando o crente é liberto do pecado, ao invés de se curvar diante do pecado e do diabo como seus senhores, se curva diante do Deus de justiça. Ele procura obedecer aos preceitos de Deus e guardar os seus mandamentos. Seu Mestre espiritual, agora, não é nem o diabo, nem o pecado, mas o Senhor dos céus. Ele é servo de Cristo (I Coríntios 7:22).

A vida do crente, portanto, é caracterizada por uma busca pela justiça. Ele procura usar seu corpo e tudo o que ele tem, para o serviço de Deus e pela causa da justiça. Dessa forma, o apóstolo pôde nos exortar: "... mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça" (Romanos 6:13). Esse é o porque o apóstolo pôde dizer: "Porque não faço o bem que quero …" (Romanos 7:19). Ele queria fazer o bem. Ele disse: "Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus" (v. 22).

Além do mais, o crente faz o bem. Suas boas obras de forma alguma são perfeitas. Todas elas são manchadas com o seu pecado, mas ele faz o bem. Lemos de Cristo: "O qual se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniqüidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras" (Tito 2:14). O verdadeiro crente é zeloso de boas obras. Sua vida inteira é devotada a fazer as obras de Deus. Não meramente boas obras exteriores, mas boas obras que brotam do coração. Uns produzem cem, outros sessenta e outros trinta (Mateus 13:23), mas todos produzem o fruto das boas obras. Não que o crente realize estas boas obras com o seu próprio poder. Ele as realiza somente no poder do Espírito de Deus operando nele. Porque o apóstolo diz: "E Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça, a fim de que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda a boa obra" (II Coríntios 9:8).

 

Liberdade na Glória

O crente é liberto de seu cativeiro espiritual do pecado e do diabo pelo precioso sangue de Cristo. Ele é libertado legalmente de forma que a culpa de seus pecados é perdoada. Ele é liberto também do poder e do domínio do pecado em sua vida. Mas o crente não experimenta liberdade completa até que seja recebido na glória. Durante toda esta vida terrena, o filho de Deus deve lutar contra o pecado. Ele ainda possui a velha natureza pecaminosa que incessantemente o encoraja a pecar. Assim, o apóstolo Paulo diz: "Acho então esta lei em mim, que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo" (Romanos 7:21). Nenhum cristão, portanto, pode negar a presença do pecado em sua vida. O apóstolo João diz: "Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós" (I João 1:8).

O tempo está vindo, contudo, quando tudo isso será mudado. A presente condição do crente não pode, de forma alguma, ser o seu estado final. Enquanto ainda há a presença do pecado na vida do crente, ele não experimenta a plenitude da liberdade espiritual, pois a liberdade que Cristo dá é o mais alto tipo de liberdade. Não é uma liberdade parcial ou imperfeita. "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (João 8:36). Nesta vida, o povo de Deus tem somente o começo daquela liberdade em Cristo. Mas quando eles finalmente forem tomados por Deus na sua eterna morada em glória, desfrutarão da plenitude da liberdade em Cristo.

A liberdade do crente em glória é descrita pelo apóstolo João em I João 3:2. Ele diz: "Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos." Quando Cristo aparecer para tomar o seu povo para estar com ele em glória, estes serão como ele. A liberdade do crente é ser como Cristo. É trazer a imagem de Cristo perfeitamente no corpo e na alma. Para este fim eles foram escolhidos para ser o povo de Deus. O apóstolo Paulo diz: "Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho …" (Romanos 8:29).

Durante toda a sua vida terrena, Cristo foi livre de todo pecado. Diferentemente de nós, ele nasceu sem uma natureza pecaminosa (Lucas 1:35). Sua natureza humana era perfeitamente justa e boa. Portanto, ele não cometeu nenhum pecado, seja qual for. De fato, ele não podia pecar. Em Hebreus 4:15 lemos que Cristo "como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado." Cristo foi tão livre do pecado que foi o servo perfeito de Deus, que sempre lhe obedeceu perfeitamente. Ele disse: "Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (João 6:38).

Como Cristo, o crente na glória será também livre da própria presença do pecado. A natureza pecaminosa com a qual nascemos será extirpada para sempre, e a vida de Cristo encherá todo o nosso ser. Sua vida será a vida de Cristo de perfeita justiça. Dessa forma, será impossível para o povo de Deus pecar na glória. Eles serão absolutamente sem pecado. Jesus diz: "Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai" (Mateus 13:43). Quando o crente permanecer na presença de seu Pai celestial, ele, em toda a glória de sua justiça, resplandecerá como o sol. Esta completa liberdade em Cristo será muito maior do que a liberdade de Adão no primeiro paraíso. Adão era capaz de não pecar, mas ele pecou. O filho de Deus glorificado será incapaz de pecar.

Assim como Cristo obedeceu perfeitamente a Deus, o crente fará somente o que é justo. Sua vida inteira será uma vida de perfeita boas obras. O escritor de Hebreus fala do povo de Deus na glória como "os espíritos dos justos aperfeiçoados" (Hebreus 12:23). Todos os pensamentos, palavras e feitos do crente estarão em perfeita harmonia com a santa lei de Deus. Lemos deste serviço perfeito a Deus também em Apocalipse 22:3: "E ali nunca mais haverá maldição contra alguém; e nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus servos o servirão …" Isso é verdadeira liberdade.

Assim na glória, o cativeiro do filho de Deus à soberana vontade e conselho de Deus e sua liberdade em Cristo para servir espiritualmente o Deus vivo, chegarão juntos à perfeição. Durante toda a sua vida, o povo de Deus está sempre em cativeiro à soberana vontade e eterno conselho de Deus. De fato, Deus está lhes conduzindo pela sua vontade e conselho à glória. O salmista diz: "Guiar-me-ás com o teu conselho, e depois me receberás na glória" (Salmos 73:24). Contudo, eles não servem perfeitamente a Deus e à sua justiça de um ponto de vista ético e moral. Mas quando finalmente o conselho de Deus lhes conduzir à glória, porque terão obtido a completa liberdade em Cristo, eles serão também servos perfeitos da justiça de Deus. Porque o cativeiro deles à vontade soberana e conselho de Deus resultam em perfeito cativeiro espiritual à justiça de Deus. Verdadeira liberdade, liberdade no sentido mais alto, é o perfeito cativeiro a Deus.

 

Conclusão

Deve ser claro a partir de tudo o que vimos que o "livre-arbitrismo" de nossos dias é, deveras, um erro sério. É um erro que nega a liberdade e a soberania da vontade de Deus. Porque ele ensina que a vontade do homem é soberana sobre a vontade de Deus. A vontade da criatura é capaz de frustrar a vontade do Criador. O homem é o controlador e governador de Deus, antes do que Deus do homem. É um erro que nega a total depravação do não regenerado. Porque ele ensina que o homem natural pode querer e fazer o bem. Ele, de si mesmo, tem a capacidade de buscar a Deus e escolher a Cristo. Ele não é escravizado ao pecado e não é um servo de Satanás. É um erro que nega a soberania da graça de Deus. Porque somente Deus é capaz de fazer o homem espiritualmente livre para servir a justiça de Deus. É somente quando Cristo nos faz espiritualmente livres que deveras somos livres para fazer o que é bom. A liberdade espiritual é um dom bendito da graça soberana de Deus.

Não tenhamos, portanto, nada a ver com este erro. Creiamos na Verdade da Santa Escritura, ao invés de crer na mentira do diabo.

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